Pestalozzi, o teórico que incorporou o afeto à sala
de aula
Para o educador suíço, os sentimentos tinham o poder de despertar o
processo de aprendizagem autônoma na criança
Para a mentalidade contemporânea, amor talvez
não seja a primeira palavra que venha à cabeça quando se fala em ciência,
método ou teoria. Mas o afeto teve papel central na obra de pensadores que
lançaram os fundamentos da pedagogia moderna. Nenhum deles deu mais importância
ao amor, em particular ao amor materno, do que o suíço Johann Heinrich
Pestalozzi(1746-1827).
Antecipando concepções do movimento da Escola Nova, que só surgiria na virada do século XIX para o XX, Pestalozzi afirmava que a função principal do ensino é levar as crianças a desenvolver suas habilidades naturais e inatas. "Segundo ele, o amor deflagra o processo de autoeducação", diz a escritora Dora Incontri, uma das poucas estudiosas de Pestalozzi no Brasil.
Antecipando concepções do movimento da Escola Nova, que só surgiria na virada do século XIX para o XX, Pestalozzi afirmava que a função principal do ensino é levar as crianças a desenvolver suas habilidades naturais e inatas. "Segundo ele, o amor deflagra o processo de autoeducação", diz a escritora Dora Incontri, uma das poucas estudiosas de Pestalozzi no Brasil.
A escola idealizada por Pestalozzi deveria ser
não só uma extensão do lar como inspirar-se no ambiente familiar, para oferecer
uma atmosfera de segurança e afeto. Ao contrário de muitos de seus
contemporâneos, o pensador suíço não concordava totalmente com o elogio da
razão humana. Para ele, só o amor tinha força salvadora, capaz de levar o homem
à plena realização moral - isto é, encontrar conscientemente, dentro de si, a
essência divina que lhe dá liberdade. "Pestalozzi chega ao ponto de afirmar
que a religiosidade humana nasce da relação afetiva da criança com a mãe, por
meio da sensação de providência", diz Dora Incontri.
Inspiração na natureza
A vida e obra de Pestalozzi estão intimamente
ligadas à religião. Cristão devoto e seguidor do protestantismo, ele se
preparou para o sacerdócio, mas abandonou a ideia em favor da necessidade de
viver junto da natureza e de experimentar suas ideias a respeito da educação.
Seu pensamento permaneceu impregnado da crença na manifestação da divindade no
ser humano e na caridade, que ele praticou principalmente em favor dos pobres.
A criança, na visão de Pestalozzi, se desenvolve
de dentro para fora - ideia oposta à concepção de que a função do ensino é
preenchê-la de informação. Para o pensador suíço, um dos cuidados principais do
professor deveria ser respeitar os estágios de desenvolvimento pelos quais a
criança passa. Dar atenção à sua evolução, às suas aptidões e necessidades, de
acordo com as diferentes idades, era, para Pestalozzi, parte de uma missão maior
do educador, a de saber ler e imitar a natureza - em que o método pedagógico
deveria se inspirar.
Sem notas, castigos ou prêmios
Ao contrário de Rousseau, cuja teoria é
idealizada, Pestalozzi, segundo a educadora Dora Incontri, "experimentava
sua teoria e tirava a teoria da prática", nas várias escolas que criou.
Pestalozzi aplicou em classe seu princípio da educação integral - isto é, não
limitada à absorção de informações. Segundo ele, o processo educativo deveria
englobar três dimensões humanas, identificadas com a cabeça, a mão e o coração.
O objetivo final do aprendizado deveria ser uma formação também tripla:
intelectual, física e moral. E o método de estudo deveria reduzir-se a seus
três elementos mais simples: som, forma e número. Só depois da percepção viria
a linguagem. Com os instrumentos adquiridos desse modo, o estudante teria
condições de encontrar em si mesmo liberdade e autonomia moral. Como alcançar
esse objetivo dependia de uma trajetória íntima, Pestalozzi não acreditava em
julgamento externo. Por isso, em suas escolas não havia notas ou provas,
castigos ou recompensas, numa época a em que chicotear os alunos era comum.
"A disciplina exterior, na escola de Pestalozzi, era substituída pelo
cultivo da disciplina interior, essencial à moral protestante", diz
Alessandra Arce.
Bondade potencial
Tanto a defesa de uma volta à natureza quanto a
construção de novos conceitos de criança, família e instrução a que Pestalozzi
se dedicou devem muito a sua leitura do filósofo franco-suíço Jean-Jacques
Rousseau (1712-1778), nome central do pensamento iluminista. Ambos consideravam
o ser humano de seu tempo excessivamente cerceado por convenções sociais e
influências do meio, distanciado de sua índole original - que seria essencialmente
boa para Rousseau e potencialmente fértil, mas egoísta e submissa aos sentidos,
para Pestalozzi.
"A criança, na concepção de Pestalozzi,
era um ser puro, bom em sua essência e possuidor de uma natureza divina que
deveria ser cultivada e descoberta para atingir a plenitude", diz
Alessandra Arce, professora da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da
Universidade de São Paulo, em Ribeirão Preto. O pensador suíço costumava
comparar o ofício do professor ao do jardineiro, que devia providenciar as melhores
condições externas para que as plantas seguissem seu desenvolvimento natural.
Ele gostava de lembrar que a semente traz em si o "projeto" da árvore
toda.
Desse modo, o aprendizado seria, em grande
parte, conduzido pelo próprio aluno, com base na experimentação prática e na
vivência intelectual, sensorial e emocional do conhecimento. É a ideia do
"aprender fazendo", amplamente incorporada pela maioria das escolas
pedagógicas posteriores a Pestalozzi. O método deveria partir do conhecido para
o novo e do concreto para o abstrato, com ênfase na ação e na percepção dos
objetos, mais do que nas palavras. O que importava não era tanto o conteúdo,
mas o desenvolvimento das habilidades e dos valores.
Biografia
Johann Heinrich Pestalozzi nasceu em 1746 em Zurique,
na Suíça. Na juventude, ele abandonou os estudos religiosos para se dedicar à
agricultura. Quando a empreitada se tornou o primeiro de muitos fracassos
materiais de sua vida, Pestalozzi levou algumas crianças pobres para casa, onde
encontraram escola e trabalho como tecelãs, aprendendo a se sustentar. Alguns
anos depois, a escola se inviabilizou e Pestalozzi passou a explorar suas ideias
em livros, entre eles Os Crepúsculos de um Eremita e o romance Leonardo e
Gertrudes. Uma nova chance de exercitar seu método só surgiu quando ele já
tinha mais de 50 anos, ao ser chamado para dar aulas aos órfãos da batalha de
Stans. Mais duas experiências se seguiram, em escolas de Burgdorf e Yverdon.
Nesta última, que existiu de 1805 a 1825, Pestalozzi desenvolveu seu projeto
mais abrangente, dando aulas para estudantes de várias origens e comandando uma
equipe de professores. Divergências entre eles levaram a escola a fechar.
Yverdon projetou o nome de Pestalozzi no exterior e foi visitada por muitos dos
grandes educadores da época.
Um liberal na Era das Revoluções
Embora durante a maior parte de sua vida
Pestalozzi tenha escolhido viver em relativo isolamento, com a mulher e um
filho que morreu aos 31 anos, ele nunca se alienou dos acontecimentos de sua
época - chamada pelo historiador britânico Eric Hobsbawn de "Era das
Revoluções". Na juventude, Pestalozzi militou num grupo que defendia a
moralização da política suíça. Mais tarde, por simpatizar com o pensamento
liberal e republicano, se alinhou aos defensores da Revolução Francesa. Em
1798, os franceses, em apoio aos republicanos suíços, passaram a sufocar os
focos de resistência à nova ordem no país vizinho, e levaram à frente um
massacre na cidade de Stans. Pestalozzi, embora chocado com os acontecimentos,
atendeu à convocação do governo e montou uma escola para os órfãos da batalha,
que acabou sendo uma de suas experiências pedagógicas mais produtivas.
Pestalozzi não foi um iluminista típico, até por ser religioso demais para
isso. Por outro lado, a importância que dava à vivência e à experimentação
aproximam seu trabalho de um pioneiro enfoque científico
para a educação, num reflexo da defesa da razão que caracterizou o "século
das luzes". "A arte da educação deve ser cultivada em todos os
aspectos, para se tornar uma ciência construída a partir do conhecimento
profundo da natureza humana", escreveu Pestalozzi.
Referências Bibliográficas
A Pedagogia na Era das Revoluções, Alessandra Arce, Ed. Autores Associados.
História da Educação: da Antiguidade aos Nossos Dias, Mario Alighiero Manacorda, Ed. Cortez.
Pestalozzi: Educação e Ética, Dora Incontri, Ed. Scipione.
História da Educação: da Antiguidade aos Nossos Dias, Mario Alighiero Manacorda, Ed. Cortez.
Pestalozzi: Educação e Ética, Dora Incontri, Ed. Scipione.
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